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Carlos Chagas: Prêmio Nobel em 1921
1999 - por João Carlos Pinto Dias.

Pesquisador Titular da FIOCRUZ (C.Pesquisas René Rachou, de Belo Horizonte)
Fonte: www.datasus.gov.br

ccc23gifanimado.gif (109951 bytes)           Nascido em 1878, em Oliveira, Minas Gerais, CARLOS RIBEIRO JUSTINIANO DAS CHAGAS constitui-se numa das maiores expressões da ciência brasileira e mundial de todos os tempos. Contemporâneo de OSWALDO CRUZ, em 1903 já se destacava em fundamentais trabalhos sobre a epidemiologia e o controle da malária, vindo a descobrir praticamente sozinho, em 1909, uma nova e terrível doença, a tripanossomíase americana, que por sugestão de Miguel Couto ficou internacionalmente conhecida como "Doença de Chagas" (Chagas Filho 1968, Coura 1997, Stepan 1976).
Este mal acomete 18 países latino-americanos e ameaça 70 milhões de indivíduos, estimando-se que dele padeçam entre 16 e 18 milhões de pessoas, do sul dos Estados Unidos à Patagônia. (Dias e Coura, 1997, WHO 1997)

          De maneira excepcional, Carlos Chagas descobre a enfermidade e a descreve praticamente sozinho, um feito sem par na Medicina. Pesquisa seus aspectos clínicos, epidemiológicos, parasitológicos, anátomo-patológicos e políticos, de maneira praticamente perfeita para os recursos da época, legando à humanidade uma lindíssima obra científica, atrelada a invejável compromisso ético.(Coura 1997, Perleth 1997). Chagas, como Oswaldo, foi admirado e invejado , tendo sido laureado com inúmeras distinções e tendo enfrentado várias disputas científicas com médicos e investigadores da época que o invejavam ou simplesmente não tinham formação ou competência para avaliar suas idéias, realmente muito avançadas para então. (Stepan 1976). Em particular, não se compreendiam as observações perfeitas sobre a cardiopatia crônica da doença, por Chagas minuciosamente descritas e interpretadas num momento em que tudo dependia da visão direta do parasito e em que as noções básicas de Imunologia estavam apenas engatinhando (Dias 1988, Laranja 1949, Laranja e cols. 1956)

          Um destes episódios se passou na Academia Nacional de Medicina, onde Chagas foi duramente contestado por Afrânio Peixoto e alguns outros acadêmicos, uma disputa histórica que durou de 1920 a 22, terminando com a plena vitória de Chagas.(Chagas Filho, 1968). Não sem seqüelas, é verdade, pois a pendência muito aborreceu Chagas e, pior que isto, colocou a doença de Chagas, à época, sob suspeita e com isto foram sensivelmente reduzidos o seu estudo e o seu ensino nas universidades brasileiras. Aliás, é da maior importância ressaltar a tenacidade de Chagas (muito mais que sua tristeza) mantendo-se ativo e trabalhador apesar dos lamentáveis fatos da Academia.

Prêmio Nobel:

          Neste período, entre outras mazelas, um episódio pouco comentado merece destaque: negaram-lhe o Prêmio Nobel. A descrição do fato se coloca a seguir, pela visão do historiador argentino Sierra-Iglesias (1990, pág. 225): "En 1921 era propuesto para el Premio Nobel de Medicina, y cuando todo presumía que le sería otorgado, inconfesables influencias se interpusieron. El Instituto sueco se había dirigido a organismos científicos del Brasil recabando datos sobre su personalidad, sobre su obra, pero algunos sus propios compatriotas (increíblemente, entre ellos algunos no médicos, por lo tanto primariamente inhabilitados para juzgar el descubrimiento de la tripanosomiasis), lo desaconsejaron, siendo este año declarado desierto este codiciado lauro mundial".

          O arrazoado brasileiro que apresenta Chagas à Academia Sueca, se encontra na FIOCRUZ e contempla os méritos e a genialidade de Chagas, a par da enorme transcendência de sua descoberta para a humanidade, em especial para os povos latino-americanos. (Anônimo, 1920). O andamento do processo e as razões para a não contemplação de Carlos Chagas constituem um mistério, não havendo outros registros em Manguinhos e junto à família de Carlos Chagas. Não obstante, é muito coerente a informação de Sierra Iglesias com a proposta /indicação de Chagas, sendo muito provável que esteja correta a informação argentina. É bastante possível, sem dúvida, que ao pedido sueco, autoridades brasileiras tenham desaconselhado o laureamento, na época, diretamente por ação dos detratores ou, por insegurança diante da pendência em curso.

          Em sendo verdadeiro, este episódio apresenta a maior importância no cenário da ciência mundial e latino-americana. A concessão do Prêmio Nobel, de um lado, tem por objetivo laurear benfeitores da humanidade com isenção e justiça. Ao país ou região contemplados, por outro, o mérito que transcende o laureado, evidenciando as estruturas e o terreno fértil que viabilizaram a conquista. Hoje há unanimidade sobre o valor de Carlos Chagas, não pairando dúvidas de que tenha chegado ao nível de importância e de excelência dos demais premiados. A ser verdade o episódio, é definitivamente lamentável o ocorrido, que privou o Brasil de seu primeiro Prêmio Nobel (até hoje teria sido o único) e a Chagas de mais um merecido galardão. Seria possível uma reconsideração, uma outorga a posteriori ?

          Em 1999 se comemora, através da Fundação Oswaldo Cruz e em parceria com a OMS e inúmeras entidades nacionais e internacionais de Ciência, o noventenário da imortal descoberta. Expedientes estão em curso para verificar a realidade dos fatos que permeiam este não recebimento do Prêmio Nobel por Carlos Chagas, especialmente junto à Academia e às Autoridades de Estocolmo. Na presente nota, além desta primeira informação, se solicita - a todos aqueles que possam colaborar - suas idéias, empenho e eventuais ações que permitam elucidar os fatos e contribuir para que se faça justiça ao grande brasileiro .

Referências.

Anônimo, 1920. Exposition of reasons for the presentation of Dr. Carlos Ribeiro Justiniano das Chagas as a candidate for the Nobel Prize in Medicine. Rio de Janeiro, Manguinhos, 8 p.

Chagas C.R.J., 1910. Aspecto clínico geral da nova entidade mórbida produzida pelo schizotrypanum Cruzi. Nota previa. Brazil-Medico 27: 263-265.

Chagas Filho 1968. Histórico sobre a doença de Chagas. in Cançado J.R. (Ed.) Doença de Chagas. Belo Horizonte, Imprensa Oficial, p. 5-21.

Coura J.R, 1997. Síntese histórica e evolução dos conhecimentos sobre a doença de Chagas. In Dias JCP e Coura JR (organs.) Clínica e Terapêutica da doença de Chagas. Uma abordagem prática para o clínico geral. Rio de Janeiro: FIOCRUZ Ed., p. 469-486.

Dias J.C.P. 1988. Reseña histórica de los conocimientos sobre la enfermedad de Chagas y reflexiones sobre algunos aspectos políticos y socio-económicos de la endemia en el contexto latinoamenricano. Revista de la Federación Argentina de Cardiologia, 17: 121-135.

Dias J.C.P. e Coura J.R., 1997. Epidemiologia. In Dias JCP e Coura JR (organs.) Clínica e Terapêutica da doença de Chagas. Uma abordagem prática para o clínico geral. Rio de Janeiro: FIOCRUZ Ed., p. 33-66.

Laranja F.S., 1949. Evolução dos conhecimentos sobre a cardiopatia da doença de Chagas. Revisão crítica da Literatura. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, 47: 605-669.

Laranja F.S, Dias E, Nóbrega G.C & Miranda A., 1956. Chaga"s Disease. A clinical, epidemiologic and pathologic study. Circulation, 14: 1035-160.

Perleth M, 1997. The discovery of Chagas’ disease and the formation of the early Chagas’ disease concept. Pubbl. Stn. Zool. Napoli II, 19 (2): 211-236.

Sierra-Iglesias J.P., 1990. Salvador Mazza - su vida y su obra - redescubridor de la enfermedad de Chagas. San Salvador de Jujuy, Universidad Nacional de Jujuy, 527 p.

Stepan N., 1976. Gênese e evolução da ciência brasileira. Oswaldo Cruz e a política de investigação científica e médica. Rio de Janeiro: Artenova Ed. 188 p.

W.H.O., 1997. Chagas disease: interruption of transmission, Brazil. Weekly Epidemiological Record, 78:1-5.

          [índice]

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